Frederico Zornig, CEO da Quantiz Pricing Solutions, apresenta alguns dos principais desafios enfrentados no gerenciamento de empresas neste período pós-Covid e apresenta caminhos para solucionar estes e outros desafios do setor neste cenário complexo agravado pela pandemia. Confira.
O Cenário
Recentemente, a revista britânica The Economist trouxe na capa o tema “The 90% Economy” significando que não teremos uma volta aos níveis econômicos que tínhamos pré-Covid. Alguns setores foram duramente castigados.
Por exemplo, a empresa aérea United Airlines reportou vendas 97% menores em abril de 2020 versus abril de 2019. Não gostaria de estar na pele deles, nesse momento. Analogamente, hotéis, restaurantes e afins sofrem quedas drásticas em suas vendas e tem seu futuro incerto para dizer o mínimo.
Do outro lado, algumas empresas, em especial aquelas com vendas majoritariamente on-line ou com receitas recorrentes, passam o período de crise com crescimento ou tranquilidade. Mas são muito mais perdedores que vencedores.
No meio disso tudo, os consumidores ainda se adaptando ao trabalho remoto, às compras e entretenimento on-line, alguns ajustando seus orçamentos com queda na renda ou até mesmo eliminação da mesma. Nos EUA foram reportados um recorde de 15% de taxa de desemprego em abril passado.
No Brasil, por termos leis trabalhistas mais protecionistas, o impacto tem sido menor, porém, não apostaria que o pior já tenha passado nesse índice, uma vez que muitas empresas antes de demitir estão utilizando as flexibilizações oferecidas pelo governo.
Do ponto de vista de preços e inflação, teremos comportamentos atípicos durante alguns meses. Embora a inflação no país esteja no nível mais baixo desde 1998 com IPC-A (índice oficial da inflação no país) tendo subido pouco mais de 2% em doze meses e em abril tivemos deflação uma vez que o IPC-A ficou negativo (-0,31%), alguns itens importados ou fortemente influenciados pelo dólar terão aumentos de preços muito acima deste patamar por uma questão de sobrevivência das empresas que não poderão assimilar os aumentos de custos sem repassar aos consumidores.
Porém, todas as empresas enfrentarão clara dificuldade em manter seus níveis de vendas, uma vez que a demanda estará muito retraída, seja por efeitos econômicos já causados ou por uma expectativa duvidosa sobre os rumos da economia. Imaginem aquelas que ainda tentarem repassar preços em função apenas de seus aumentos de custos?
De forma positiva, porém insuficiente, o governo federal tem tentado ajudar flexibilizando leis trabalhistas, injetando recursos no mercado através dos incentivos de R$ 600 para aproximadamente 40 milhões de brasileiros e ainda oferecendo algum alargamento de prazos para pagamentos de impostos. Mas, insisto, não serão o bastante.
O tamanho da queda da arrecadação e da economia como um todo serão enormes, ainda mais para um país que já não vinha bem política e economicamente falando.
Desafios e respostas das empresas
Com um cenário desafiador adiante, estamos prevendo algumas tendências no comportamento das empresas que afetarão a maneira de gerir um negócio. A primeira mudança é com relação à alavancagem.
Empresas endividadas e muito alavancadas estão correndo um risco muito maior com a redução de receitas e necessidade de caixa para manterem suas operações. A empresa aérea Avianca da Colômbia, que já estava bastante endividada antes da crise não suportou um mês de queda de receitas e entrou em recuperação judicial, sendo que sua sobrevivência só ocorrerá com um enorme aporte de recursos, que ainda é incerto, pelo governo Colombiano.
Ou seja, empresas que estão com caixa disponível estarão melhor preparadas para enfrentar um período de recessão, que inexoravelmente, virá. A Natura, apesar do prejuízo fiscal no primeiro trimestre do ano, ainda dispõe de quase cinco bilhões em caixa (dados do balanço publicado) para suportar os possíveis impactos que uma queda de receita em suas lojas e mesmo das vendas de porta em porta poderão causar.
Portanto, a geração de caixa através de melhores margens de vendas será imperativa nesses momentos pós-Covid. Empresas que se contentavam com DREs empatando ou perdendo pouco dinheiro terão que rever seus modelos de negócio. Crescimento a qualquer custo não será mais viável.
O acesso ao dinheiro, embora com custo teoricamente mais baixo pelos níveis atuais da SELIC, ficará mais escasso pela resistência dos bancos em emprestarem para empresas com risco de crédito ou baixas margens. Sem geração de caixa em um cenário recessivo aumenta-se o risco de qualquer negócio sobreviver.
Com esse ambiente hostil para seus balanços, a maioria das empresas terá que buscar algum ganho de margem. E o que primeiro vem na cabeça da maioria dos gestores é o foco na redução de custos. Porém, a grande maioria das boas companhias já opera em um nível bastante razoável de custos competitivos.
Então, o espaço para cortar, ainda mais, é pequeno. E do outro lado da equação, entram os preços de vendas de seus produtos e serviços. E aqui reside a grande oportunidade de melhorar resultados mesmo durante a crise.
Boas práticas, tais como incentivos para reter clientes, modelos de políticas comerciais que incentivem objetivos estratégicos tais como introdução de novos produtos ou execução correta de ações promocionais no ponto de venda, e transformar a venda de produtos em algum modelo de receita recorrente, tendem a ser grandes aliadas das empresas nestas fases de transição de mercado.
Empresas que não estão pensando em como criar novas alternativas de receita, como novos serviços, novos produtos, cobrar pelo que antes não era cobrado, entre outras ações de pricing, poderão ser engolidas por concorrentes mais ágeis e capazes de lerem as mudanças dos clientes ou consumidores de forma mais ágil.
Dinamismo também será maior em todo o mercado. Com cada vez mais clientes migrando para o on-line, as empresas que não estiverem lá ainda ou não estão nem se preparando para estar, cuidado! Seja grande ou pequeno, o futuro cada vez mais será digital. E no mundo virtual, preços são mais facilmente comparados e a transparência de preços é muito maior. Nesse ambiente é fundamental ter uma estratégica clara, multicanais e de forma estratégica se posicionar corretamente em cada mercado ou até mesmo para cada cliente.
Experiência do consumidor ou dos clientes em geral passa a ser sua agilidade em entregar, a facilidade de comprar do site da empresa, algum programa de fidelidade ou promoções direcionadas para fortalecer o relacionamento. Muda o jogo completamente.
Vencedores e perdedores
Com o que está acontecendo mundo afora, fica razoavelmente possível prever que tipo de negócio sairá vencedor da crise atual e quais aqueles que devem sofrer mais até uma recuperação aceitável. Em primeiro lugar, o grande vencedor é o negócio on-line, seja entretenimento (Netflix por exemplo), educação (EADs), comércio (Amazon, Magalu), e mesmo saúde (telemedicina acabou de ser regulamentada).
Outro vencedor é o modelo de receita recorrente que, mesmo com alguma flutuação de demanda, conseguiu sustentar seu negócio com pequenos impactos financeiros. Por fim, mesmo que ainda não totalmente evidente, existem os negócios pequenos que sobrevivem por apelo popular em se solidarizar com os empresários da cidade ou de uma região.
Na outra ponta da régua temos negócios que deverão ainda ter muitos desafios pela frente pós-Covid. As empresas aéreas e tudo que envolve viagens em geral serão um dos últimos setores a se recuperar.
Na Itália, onde algumas regiões dependem muito do turismo, já estão avaliando se o governo não deveria subsidiar viagens para eventuais turistas oferecendo dinheiro para que eles visitem certas regiões do país. Analogamente, o setor de eventos presenciais deverá observar uma retração grande em função do receio que alguns (ou muitos) consumidores terão de ambientes com muita aglomeração de pessoas.
O setor de serviços também sofrerá alguma retração. Embora menos óbvios, alguns hábitos adquiridos durante a quarentena farão com que consumidores deixem de utilizar serviços que estavam acostumados, pois, solucionaram seus problemas em casa de um jeito mais prático e econômico. Finalmente, o setor de luxo deve passar por um ajuste em seus volumes de vendas.
Em um período onde saúde e bem-estar ficaram em alta, a introspecção de estar em casa e passar a valorizar pequenas coisas do dia a dia pode ter afetado a percepção de valor desses itens que, além disso, dependem de uma economia pujante para aumentar suas vendas, o que não deverá ocorrer em um futuro próximo.
Conclusão
Momentos como o que estamos vivendo são experiências únicas para a grande maioria dos gestores. O que antes funcionava não mais é garantia de sucesso.
Dinamismo, digitalização, home office, otimização, receita recorrente, entre tantas outras palavras, se ainda não estavam, estão entrando no nosso vocabulário para gestão de uma empresa. Bom disso tudo é que sempre acreditei no ditado popular que diz: “Mares calmos não fazem bons marinheiros”.
Portanto, que possamos todos aprender e mudar com tudo que estamos vivendo para sairmos dessa tormenta melhores marinheiros do que quando entramos nela. Resiliência e coragem a todos. Ajustem as suas velas!