Em ano de eleições, muito se fala sobre corrupção e o aumento de fiscalização, principalmente em empresas estatais de capital misto. É possível ter uma área de compliance nas estatais?
Uma das grandes mudanças que este mercado presenciou nos últimos anos, foi a chegada da lei número 13.303, em substituição a 8.666, que visa melhor regulamentar os processos de licitação e contratos de compra, também conhecida como a nova Lei das Estatais.
Porém, mais do que regulamentar, ela trouxe uma das principais ferramentas que estas empresas têm utilizado para evitar a corrupção e fortalecer os processos de compras públicas: a obrigatoriedade das áreas de compliance.
“As áreas de compliance já estão dentro de um costume de mercado, mas que nunca tiveram a devida atenção quanto a sua eficiência em estatais”, cita Lucia Casasanta, Chief Compliance Officer na Eletrobras.
Ou seja, ali se encontrava um grande caminho a trilhar para construir toda confiabilidade dentro de uma nova área de controle de riscos. Além deste desafio, empresas de capital misto também sofrem com uma adaptação cultural.
Pensando nos processos destas empresas ao longo dos anos, já sabemos o quanto, em sua maioria, sempre foram morosos, manuais e com grandes responsabilidades nas tomadas de decisões, o que amplia muito o tempo de realização de projetos.
Então, de repente chega uma lei que promete desburocratizar processos, dar espaço a inovação e transformação digital. Assim como foi para os bancos com a chegada das fintechs, não seria nada fácil as estatais encaixarem-se a nova lei.
“Com a vinda da lei do ‘pregão’ de 2002, por exemplo, as pessoas já ficaram extremamente perdidas apenas pelo fato dela dizer que seus processos deveriam ser feitos preferencialmente por ferramentas tecnológicas. Isso, no começo, ao invés de ajudar, causou mais demora nas tomadas de decisão, já que deixou muitos gestores mais inseguros”, comenta Valéria D’Amico, Gerente de Compliance da Sabesp.
Impactos da lei 13.303
Uma das coisas mais difíceis de se lidar nesta lei, segundos os especialistas, foi a geração de tantos conselhos quando pensamos em holdings. “Se eu tenho 16 controladas, terei 16 conselhos, isso é muito perigoso”, frisa a chefe de compliance da Eletrobras.
Pensando nisso, eles movimentaram o centro de decisão do time direto para a diretoria executiva de conformidade e, nas empresas controladas, colocaram coordenadores com acesso direto à presidência de cada uma delas, para canalizar o que iria ao núcleo.
Isso encurtou os processos e tornou toda comunicação mais limpa e transparente.
Falando em decisões, esta é uma das partes dos processos licitatórios e de compras nas estatais que mais preocupam os gestores, afinal eles assinam como pessoa física, onde um erro grave pode colocar toda sua carreira em risco.
O que veio de novo para ajudar nisso, foi a criação de um regulamento para melhor orientar as tomadas de decisão de compra.
Dessa forma, foi possível criar respaldos legais e não apenas interpretativos, além do ganho de eficiência, já que a média de dias previstos para a efetuação de um processo de compra pela lei caiu de 200 para 70.
Um grande ganho também foi a consideração da integridade dos fornecedores. Assim, em compliance, eles e as estatais viraram mais do que serviço e necessidade, mas sim parceiros.
Afinal, agora estas empresas precisam provar o cunho lícito dos seus projetos e o quanto eles estão preparados frente a segurança de processos de implementação.
Perigos nas estatais
Um dos pontos mais visíveis ao público em relação a tomada de decisão dentro de estatais são os interesses políticos. “Por isso, foi tão importante a chegada das áreas de compliance, pois assim tem-se uma área técnica envolvida nestas decisões”, frisa D’Amico.
Algo que é muito comum vermos são pessoas públicas falando em nome de estatais sem antes consultá-las. Lembrando que, estamos falando de empresas de capital misto, ou seja, este controle de comunicação deve partir tanto do âmbito privado, quanto do público.
Pensando em resolver este problema, a nova lei traz a obrigatoriedade do treinamento de todos os conselheiros, para que qualquer informação que vá a público tenha um pré-alinhamento e condução adequada, o que tem ajudado muito no trabalho de branding destas empresas.
Uma das grandes armadilhas deste quesito, é que todos os projetos das estatais estão ligados a serviços essenciais para a sociedade, por isso o ganho de seu apoio e confiança é primordial.
Os investimentos ficam abertos para o público, ou seja, caso algum interesse político implique na mudança de pontos de aplicação de verba, toda esta ligação com o cliente final, que na verdade é o povo, pode ser ruída.
“Um grande exemplo de perigo de comunicação, vindo de uma pessoa pública perante a uma estatal, foi quando em 2017, um ministro apenas cogitou a ideia da privatização da Petrobras e a flutuação nas ações da empresa começaram na hora”, exemplifica Reynaldo Goto, que é Compliance Officer e Chairman of Advisory Board Brazil da Siemens.
O que esta lei também visa clarear é o quanto o próprio governo pode se beneficiar do sucesso dos projetos das estatais, afinal uma crise em qualquer uma delas gera muitos holofotes negativos ao poder público.
Por isso, a nova lei busca tanto gerar cada vez mais esta preocupação com a qualidade da informação e nas decisões a serem tomadas.
Progressos e perspectivas
“A estratégia pode ser pública, mas a gestão tem que ser técnica e 100% profissional”, lembra muito bem Goto ao tentar resumir o core de tudo o que estava sendo dito.
Esta lei abriu muitos caminhos, mas para inovação também exige muito mais qualidade no nível técnico das administrações.
O mais importante da área de compliance, que foi muito lembrado durante o evento, é sua constante presença em todos os processos, principalmente quanto ao cumprimento de seus prazos.
Algumas mudanças culturais já podem ser observadas hoje, principalmente nas tomadas de decisão dos gestores, tendo em vista os resultados da Operação Lava Jato.
Para os palestrantes, tudo isso veio também para resgatar a autoestima e a imagem social formada sobre o funcionário público, que tem suas posições tão julgadas socialmente.
“Esta transformação vai acontecer de qualquer maneira, então seja parte desta transformação e não vítima dela”, Lucia parafraseia seu chefe na Eletrobras.
O que acha sobre a área de compliance nas estatais?
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